quarta-feira, junho 23, 2004

Perguntas de um operário letrado


Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas

Bertold Brecht

domingo, junho 20, 2004

Encontro com um estranho



Entro na livraria Ler Devagar (http://www.lerdevagar.com )e respiro um bálsamo de paz, contra os gritos tribais que ecoam pelo Bairro Alto em nome de Espanha ou de Portugal. Marco um golo pela cultura, junto ao bar leio excertos do livro de Boris Vian "Elas não percebem nada". Tu estás à minha frente, mas não existes no meu mundo. Os nossos mundos cruzam-se quando afirmas que afinal são os homens que não percebem nada sobre muita coisa, especialmente sobre as mulheres. Esboço um sorriso. Concordo parcialmente. Continuas. Falas, enquanto seguras uma cigarrilha na mão direita, sobre a dominação masculina, a parvoíce da submissão feminina, a poesia e os poetas, a sexualidade, as relações de poder, as relações amorosas e as prisões da moral ... Lanço algumas observações, consciente dos labirintos que envolvem estes temas, especialmente quando trocadas com um estranho. A conversa alonga-se. Termina com a minha despedida. Existem estranhos que podem ser muito mais interessantes intelectualmente do que muitas pessoas que conhecemos. Se é verdade que devemos continuar a ter cuidado com eles, existem contudo alguns que não nos importamos nada de conhecer. Enriquecem a nossa existência.

sábado, junho 19, 2004

Desencontro

Só quem procura sabe como há dias
de imensa paz deserta; pelas ruas
a luz perpassa dividida em duas:
a luz que pousa nas paredes frias,

outra que oscila desenhando estrias
nos corpos ascendentes como luas
suspensas, vagas, deslizantes, nuas,
alheias, recordadas e sombrias.

E nada coexiste. Nenhum gesto
a um gesto corresponde; olhar nenhum
perfura a placidez, como de incesto,

de procurar em vão; em vão desponta
a solidão sem fim, sem nome algum -
- que mesmo o que se encontra não se encontra.

Jorge de Sena

quinta-feira, junho 17, 2004

Tudo por dias.

Existem dias em que questionamos o que possivelmente é inquestionável. Ou que merecia há muito sê-lo. Questionado. Existem dias em que tudo parece nada e nada parece tudo. Tudo uma questão de dias. Há dias assim.

segunda-feira, junho 14, 2004

Eu fui... votar.



Votar é um direito de todos os que vivem num sistema democrático. Mas para todas as mulheres devia também ser um dever, embora tenham, também, o direito de não votar. Mas recordando a história, não podemos esquecer a nossa ausência ou melhor, afastamento de qualquer decisão política. Fomos ignoradas e consideradas como seres menores. Isto durante séculos. Muitos séculos; demais.
Em meados do século XIX a América estava dividida. A escravatura era o tema dominante em quase todos os círculos de discussão. Duas importantes mulheres - Susan Brownell Anthony e Elizabeth Cady Stanton - lideravam grupos de luta a favor da abolição da escravatura na América, em 1851.
O pensamento inicial de Susan passava por ver aprovada uma lei que concedesse o direito de voto às mulheres, mas, devido às dificuldades enfrentadas, Susan e Elizabeth concentram-se apenas na libertação dos escravos e só mais tarde no direito ao voto, em 1870. Direito ao voto, por meio da lei constitucional nº. 15, a todos os homens de qualquer raça, cor e condição social. Mas as mulheres não existiam... É iniciada uma nova batalha a favor de uma lei pelo voto feminino, protagonizado pela idealizadora Susan Anthony. A luta seria longa e árdua...Só em 1869, em Wyoming, é pela primeira vez permitido o voto feminino. Três Estados do Oeste seguiriam o exemplo. No entanto, não foi fácil e muitas pessoas ergueram a sua voz contra. Em 1906, a grande defensora do voto feminino Susan Anthony, morre aos 86 anos, sem ver aprovada a (sua) lei para todos os estados norte americanos.
Dez mais anos mais tarde é eleita pelo Estado de Montana a primeira mulher para o Congresso, a deputada Jeannette Rankin, com a responsabilidade de propor uma lei de voto a todas as americanas. Proposta só aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em 1919 e emendada em 1920, com proibição de discriminação política com base no sexo. Cabe salientar, também, que Jeannette seria o único parlamentar a votar contra a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, repetindo o seu voto de 1917, quando da Primeira Guerra.
Do outro lado do globo, a Nova Zelândia foi o primeiro país do mundo a conceder o direito de sufrágio às mulheres no ano de 1893. A Austrália concedeu o voto em 1902, com algumas restrições. Na Europa, o primeiro país a permitir uma aproximação feminina das urnas de voto foi a Finlândia em 1906.
Em Inglaterra, como havia sucedido noutros países, a concessão de tão importante direito foi difícil e dramática, a culminar em prisões e até morte. É em 1866 apresentada por John Stuart Mill , famoso jurista, economista e filósofo inglês, ( e assinada também por miss Sarah Emily Davis e pela Dra. Garret Anderson) a primeira lei mas, sofre uma estrondosa derrota de 194 votos contra 73 a favor. Poucos anos depois, surge uma abertura e as eleições municipais contam com a participação das mulheres que possuiam propriedades, simplesmente. A luta continuou, pelo direito de todas e os protestos intensificam-se, resultando em muitas detenções. Surge então um acontecimento trágico que marca esta luta, num gesto de desespero Emily Davison, em Junho de 1913, coloca-se em frente do cavalo do rei durante uma prova hípica e acaba por falecer. O seu enterro é seguido por protestos violentos, incêndios e corte de fios do telégrafo. Com o fim da Primeira Grande Guerra, em 1918, é reconhecida a participação feminina na retaguarda do conflito e é finalmente concedido o direito ao voto às mulheres inglesas com mais de 30 anos. Só em 1928, a idade foi reduzida para 21 anos.
Na América Latina, o primeiro país a permitir o voto feminino foi o Equador em 1929. Na Argentina, tal acontecimento sucede no período de Juan Domingo Perón, em 1946, em que é iniciada a campanha pelo voto feminino, através de sua esposa Evita, que empenha-se bastante por essa conquista - aprovada pelo Congresso em 23 de Setembro de 1947.
Em Portugal, o processo é, mais uma vez, muito lento e difícil. Só depois da revolução de 25 de Abril de 1974 todas as mulheres portuguesas conseguem esse direito. Em 1910, tendo em consideração a omissão legal sobre o sexo do chefe de família, Carolina Beatriz Ângelo - médica, viúva e mãe de duas crianças- faz prevalecer a sua condição de chefe de família e deposita o primeiro voto feminino nas eleições para a Assembleia Constitucional. Como consequência, a lei é modificada de forma a estabelecer claramente que só os homens podiam exercer o direito de voto. Anos mais tarde, em 1931 por meio do decreto de lei nº 19.694, de 5 de Maio, as mulheres com um grau universitário ou com o secundário concluído podiam repetir o mesmo gesto de Carolina Beatriz Ângelo. Em contrapartida, os homens podiam exercer o mesmo direito desde que soubessem ler e escrever.
A Lei nº 2.015, de 28 de Maio de 1946, alargou um pouco mais o direito de voto, mas ainda continha requisitos diferentes para os homens e para as mulheres eleitores da Assembleia Nacional. A Lei nº 2.137, de 26 de Dezembro de 1968, definiu a capacidade eleitoral activa para a Assembleia Nacional, sem distinguir quanto ao sexo. Todavia, apenas os chefes de família podiam ser eleitores das Juntas de Freguesia. Só o decreto-Lei nº 621/A/74, de 15 de Novembro, declarou serem eleitores da Assembleia Constituinte "cidadãos portugueses de ambos os sexos" (artigo 1º). É finalmente em 1976 que a Constituição da República reconhece o direito de sufrágio a todos os cidadãos maiores de dezoito anos (artigo 49º), "ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral " (artigo 49º), assegurando, portanto igual direito de voto aos homens e mulheres nas eleições para os órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local.
Para a nossa história ficam mulheres como: Carolina Michaelis de Vasconcelos, Maria Amália Vaz de Carvalho,Maria da Lourdes Pintasilgo, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa, entre outras, muitas outras.
Por todos os que lutaram pelo meu (e de todas as mulheres) direito ao voto um profundo agradecimento. Por elas e por eles, pelas que ainda não podem exercer tal acto e pelas minhas convicções eu fui (e espero continuar) a votar.

sábado, junho 12, 2004

Smile


Os dias que correm são estranhos. Nestes dois últimos anos, Portugal tem-se transformado num campo fértil em suspeições, em casos de corrupção nas diversas áreas, em casos de polícia para ver em formato de novela, em políticos que fogem ou são presos, em pessimismos pelo que somos (para conhecer melhor Portugal visite:
http://www.cia.gov/cia/publications/factbook/geos/po.html#Econ) e pelo que temos... Por aí fora. Mas afinal este não era o nosso Portugal? Bem, mas este tipo de discurso não deve ser feito pois, como bons hospitaleiros que somos devemos a partir agora sorrir, simplesmente, a todos os estrangeiros ou que se pareçam como tal. Educada e obedientemente, como bons ordeiros, há que juntar um Welcome ou bienvenue.
A nossa grande arma, para além do sol, será sem dúvida o nosso sorriso. O sorriso português, que como em quase tudo, ainda não descobri por quê, tem algo especial, diferente de todos os outros. Por ser e só (e já é muito, dizem os entendidos)português. Assim, esqueçamos o facto de sermos o país europeu mais pobre desta velha europa, e vamos todos para a rua... sorrir. Informo mesmo que os dentistas, um dos grupos profissionais que mais lucra no nosso país, já triplicaram os seus lucros nos últimos dias e estão a pensar fechar os consultórios até ao final do ano, devido ao aumento de trabalho, para férias. Mas os portugueses, garanto, vão manisfestar-se nas ruas. Pois os dentes e o sorriso deste grande povo (lá isso é verdade) tornaram-se nos últimos anos no seu ganha pão. Nem que seja para uma cunha para o emprego.
Para além do fado, de Fátima e de futebol temos, agora..., o nosso sorriso. Foda-se!
Começa então, hoje, um grande evento organizado por Portugal. O que será o maior e o melhor. O tal. O que todos se recordarão. O nosso. O único Euro 2004. Como devem calcular, estou excitadíssima. Tenho tudo aos saltos... (uma expressão muito normal, muito nacional). Mas também estou chateada. A imprensa estrangeira não entende o espírito português... Será que o nosso seleccionador esqueceu-se de os convocar? Não é que os cabrões só falam dos níveis de escolaridade, do PIB, do valor do salário mínimo e outras coisas de que não percebo muito, referentes a Portugal. Merda, vai começar o Euro 2004. O Euro!!! O campeonato europeu de FUTEBOL em PORTUGAL! Estes gajos são tramados... com o maior acontecimento cultural sucedido no nosso país nestes últimos dois anos. Podemos não investir em muita coisa, mas na arte (futebolística)lá isso investimos. Numa cultura de massas.

Coloquemos então as bandeiras do nosso país na janela, no carro, na cabeça. Vivamos este grande momento. Pelo menos, merecemos sonhar. E há tanto tempo que não sonhamos...

quarta-feira, junho 09, 2004

Mudanças

Tenho um computador novinho. Suficiente para suportar alguns programas essenciais à minha vida profissional. Desejo-o para pouco mais. Mais memória e rapidez são essenciais nos dias de hoje, quase sempre stressantes. Também para nós.
Embora continue a recusar a ingestão de medicamentos ou afins que potencializem as nossas supostas capacidades, algumas idealizadas ou sonhadas pela maior parte das pessoas, por vezes a vida assim o exige.
Mas é um facto que poucos se aceitam como são. Quase todos desejamos ser quase tudo contudo, por vezes, corremos o risco de conseguirmos ser pouca coisa. É importante o inconformismo, mas mais importante é procurar o conhececimento das nossas potencialidades e dos nossos limites. Infelizmente, existe muito boa gente que desconhece os labirintos da sua essência. E, nestes casos, assiste-se ao recurso, quase imediato, a uma panóplia de medicamentos, através dos quais procuram a salvação dessa enfadonha tarefa; de todos os males e de todas as frustações...

Provavelmente, nos tempos futuros, com a ajuda da ciência, assistiremos à venda de uma espécie de Kits tipo, com informação (os livros já temos) e medicação apropriadas para tornarmo-nos instantaneamente líderes, competitivos, inteligentes, admirados, pessoas com carisma... Será tudo uma questão de tempo, neste admirável mundo novo.

sábado, junho 05, 2004

Para obras...

Como em qualquer casa, esta também estava a precisar de uma remodelação; mudança. Por isso, estamos em tempos de obras. Estarei de volta com um novo fôlego.